Quantos pobres são necessários existir para se produzir alguns ricos no Brasil?

Al­meida Gar­rett, es­critor por­tu­guês do sé­culo 19, in­qui­e­tado com a si­tu­ação so­cial de seu país, em sua obra Vi­a­gens na Minha Terra in­quire os seus con­tem­po­râ­neos: “E eu per­gunto aos eco­no­mistas-po­lí­ticos, aos mo­ra­listas, se já cal­cu­laram o nú­mero de in­di­ví­duos que é for­çoso con­denar à mi­séria, ao tra­balho des­pro­por­ci­o­nado, à des­mo­ra­li­zação, à in­fâmia, à ig­no­rância cra­pu­losa, à des­graça in­ven­cível, à pe­núria ab­so­luta, para pro­duzir um rico”.

A si­tu­ação mun­dial e do Brasil em par­ti­cular, neste sé­culo 21, as­se­gura a per­ti­nência da in­da­gação de Al­meida Gar­rett. No caso bra­si­leiro, os dados da de­si­gual­dade so­cial bra­si­leira res­pondem cru­a­mente à per­gunta do li­te­rato por­tu­guês. Apenas seis bra­si­leiros têm ri­queza equi­va­lente a 100 mi­lhões de tra­ba­lha­dores po­bres. Esses na­babos atendem pelos nomes de Jorge Paulo Le­mann, Jo­seph Safra, Marcel Herm­mann Telles, Carlos Al­berto Si­cu­pira, Edu­ardo Sa­verin e Er­mírio Pe­reira de Mo­raes. Além disso, os 5% mais ricos pos­suem ri­queza equi­va­lente aos 95% res­tantes. Os dados re­velam como no Brasil a ga­rantia da con­cen­tração da ri­queza nas mãos de 5%, ou de li­te­ral­mente meia dúzia de pes­soas, re­quer a pro­dução de 100 mi­lhões de po­bres.

Esses “ca­pe­ta­listas” jus­ti­ficam a con­cen­tração de ta­manho vo­lume de ri­queza apre­sen­tando-a como fruto dos seus es­forços, en­ge­nho­si­dade e es­pí­rito em­pre­en­dedor. É uma forma sutil de ocultar sua origem bá­sica: a su­pe­ra­cu­mu­lação de ca­pital num pólo re­sulta di­re­ta­mente da su­pe­rex­plo­ração do tra­balho em outro. Essa de­si­gual­dade se ex­plica, in­va­ri­a­vel­mente, pela falta de opor­tu­ni­dades oriundas da baixa es­co­la­ri­dade, ou pela exis­tência de óbices ao fun­ci­o­na­mento de uma eco­nomia de mer­cado per­feita. Por isso tais ricos mantêm ins­ti­tutos vol­tados a pro­mover a edu­cação. Bem como fi­nan­ciam can­di­da­turas com o in­te­resse de fazer aprovar re­formas re­gres­sivas como a da pre­vi­dência ou a tra­ba­lhista, vistas como obs­tá­culos ao cres­ci­mento econô­mico.

Tratam a todo custo de manter de­vi­da­mente ocul­tado o quanto de­pendem da “mão vi­sível” do Es­tado, e dos ins­tru­mentos ine­rentes aos seus apa­re­lhos (ju­rí­dicos, po­lí­ticos, ide­o­ló­gicos e re­pres­sivos), para a re­pro­dução do ca­pi­ta­lismo re­al­mente exis­tente em nosso país. Por um lado, agem sobre o Con­gresso e os de­mais po­deres da Re­pú­blica para im­pedir a apro­vação de mí­nimas re­formas. Por outro, também atuam sobre os mesmos para des­truir através de re­formas re­gres­sivas os di­reitos po­pu­lares ainda exis­tentes.

Mas, às vezes, certos “ca­pe­ta­listas” falam de­mais. E re­velam os se­gredos por trás de suas vo­lu­mosas ri­quezas. Dizem cla­ra­mente como o ca­pital por eles acu­mu­lado de­pende da des­graça de mi­lhões de tra­ba­lha­dores.

Cân­dido Bra­cher é pre­si­dente do Banco Itaú, cujo lucro no se­gundo tri­mestre deste ano, mesmo em meio a uma das mais graves crises econô­micas e so­ciais de nossa his­tória, cresceu 9,1% em re­lação ao mesmo pe­ríodo de 2018. Em re­cente de­cla­ração, mar­cada por in­só­lita sin­ce­ri­dade, Bra­cher co­me­morou os altos ín­dices do de­sem­prego, pois per­mite ao país, leiam-se grupos “ca­pe­ta­listas”, “crescer sem pres­sões in­fla­ci­o­ná­rias”. E ar­re­mata: “deixa a si­tu­ação ma­cro­e­conô­mica do Brasil tão boa quanto nunca vi na minha car­reira”.

Sem in­terpor bi­ombos ide­o­ló­gicos entre a re­a­li­dade e sua in­ter­pre­tação, Bra­cher res­ponde cru­a­mente a per­gunta de Gar­rett. Para os Mo­reira Salles, Se­túbal e Vil­lela, fa­mí­lias con­tro­la­doras do Itaú, seus lu­cros sempre cres­centes de­pendem da exis­tência de 13,2 mi­lhões de de­sem­pre­gados, 11 mi­lhões tra­ba­lhando na in­for­ma­li­dade e 23,1 mi­lhões tra­ba­lhando por conta pró­pria para so­bre­viver.

Tal é a con­dição es­tru­tural de fun­ci­o­na­mento do ca­pi­ta­lismo em na­ções pe­ri­fé­ricas como o Brasil. Sua re­pro­dução, e con­se­quente exis­tência de uns poucos ricos, de­pende da su­pe­rex­plo­ração, do atraso, da mi­séria, da ig­no­rância e do de­sem­prego de mi­lhões. De acordo com Cândio Bra­cher, é esse o nú­mero e a si­tu­ação de pes­soas ne­ces­sá­rias para pro­duzir os ricos em nosso país.

Re­nato Nucci Jr. é ati­vista da or­ga­ni­zação co­mu­nista Arma da Crí­tica.

Fonte: Correio da Cidadania

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