Por que toleramos Moro

Ainda é cedo para dizer, mas pa­rece que Sergio Moro con­tinua a se manter como o mi­nistro mais po­pular do go­verno Jair Bol­so­naro, apesar das con­versas re­ve­ladas pelo In­ter­cept Brasil que mos­traram como o então juiz da Lava-Jato atuava juntos e shallow now o tempo todo com o pro­motor Deltan Dal­lagnol, jo­gando no ralo as normas do Có­digo de Pro­cesso Penal e do Es­ta­tuto da Ma­gis­tra­tura que exigem a im­par­ci­a­li­dade dos juízes.

Se al­guém tem al­guma dú­vida, é só ver como o Mo­vi­mento Brasil Livre con­tinua a apoiar Moro pu­bli­ca­mente, mesmo após ter fi­cado claro que o então juiz con­si­de­rava seus in­te­grantes “tontos”. O MBL é um grupo opor­tu­nista e raso de con­vic­ções: lembre-se como aban­do­naram qual­quer pre­tensão ini­cial ale­gada de serem uma di­reita li­beral “tran­sante” e abra­çaram o con­ser­va­do­rismo mais tosco per­se­guindo ar­tistas para ga­nhar poder na apro­xi­mação com os evan­gé­licos?

Pois é, o MBL gosta de ir ao sabor do vento, le­vado para onde pode ser mais lu­cra­tivo. Se ainda estão com Moro, é porque sentem que colar seu nome ao do juiz con­tinua a trazer van­ta­gens.

Não vai sur­pre­ender se, apesar de todas as de­nún­cias do In­ter­cept, as ma­ni­fes­ta­ções mar­cadas para o pró­ximo dia 30 reu­nirem nas ruas ainda mais pes­soas do que os atos em apoio às re­formas do go­verno Bol­so­naro. Na ca­beça de muita gente, Moro con­tinua a ser um herói. E o fato de ter sido um juiz par­cial não é qual­quer pro­blema.

O mais pre­o­cu­pante, para quem se pre­o­cupa com o di­reito à vida, é se esse mo­vi­mento acabar ser­vindo para for­ta­lecer o pro­jeto do pa­cote an­ti­crime de Moro, que abre es­paço para am­pliar a vi­o­lência de uma das po­lí­cias mais vi­o­lentas do mundo – e que, em São Paulo, já é a prin­cipal res­pon­sável por mortes in­ten­ci­o­nais de cri­anças e ado­les­centes até 19 anos, con­forme dados da Unicef re­ve­lados em pri­meira mão pelo re­pórter Arthur Sta­bile na se­mana pas­sada.

É cho­cante, mas nada sur­pre­en­dente, que Moro con­tinue a ser visto como um super-herói de capa e cueca por cima da calça. Moro atro­pelou a lei, o de­vido pro­cesso legal e a Cons­ti­tuição? Qual o pro­blema de Moro ter atro­pe­lado o de­vido pro­cesso legal e a Cons­ti­tuição, se isso serviu para prender Lula? Já faz tempo que boa parte da po­pu­lação, in­cluindo os mais ricos e es­co­la­ri­zados, to­lera ile­ga­li­dades muito mai­ores.

Afinal, muitos bra­si­leiros ele­geram um pre­si­dente que disse com todas as le­tras ser “fa­vo­rável à tor­tura”, prá­tica ilegal em quase todos os países de­mo­crá­ticos, e há anos votam em ban­cadas da bala que fazem do ex­ter­mínio de ne­gros e po­bres sua prin­cipal ban­deira. O Brasil, aliás, deve ser o único país do mundo que já or­ga­nizou uma pas­seata de apoio à morte de uma cri­ança de dez anos pela po­lícia, como fi­zeram os mo­ra­dores do Mo­rumbi em 2016 para ce­le­brar a morte de Ítalo Fer­reira de Jesus Si­queira, me­nino negro morto aos 10 anos com um tiro na ca­beça.

Temos um longo ca­minho a per­correr. Vai de­morar para a gente co­meçar a as­si­milar no­ções abs­tratas como de­mo­cracia, pre­sunção de ino­cência ou jul­ga­mento justo se ainda nem con­se­guimos aprender que matar cri­anças é er­rado.

Fausto Sal­va­dori é editor e re­pórter da Ponte Jor­na­lismo.

Fonte: Correio Cidadania

 

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