Apesar de não ter vendido nenhuma estatal de controle direto da União em dois anos de mandato, o governo Jair Bolsonaro pretende acelerar as privatizações até 2022. A meta é vender 11 empresas federais, incluindo os Correios e a Eletrobras, e fechar duas até o último ano do mandato do presidente. Se os planos derem certo, terá conseguido reduzir em 28% o número de estatais federais, passando de 46 para 33 companhias.
As informações foram divulgadas na quarta-feira (2) pelo Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), secretaria especial do Ministério da Economia responsável por coordenar as privatizações, concessões e parcerias público-privadas. O calendário foi desenhado junto com o BNDES, que auxilia no processo. É o primeiro calendário pós-pandemia divulgado oficialmente. Ele pode sofrer alterações ao longo do tempo.
Ainda assim, a meta está distante da sonhada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e pelo ex-secretário de Desestatizações, Salim Mattar, que chegaram ao governo em 2019 prometendo uma lista extensa de privatizações. Guedes reconheceu recentemente que está “frustrado” com o andamento dessa agenda, mas jogou grande parte da culpa no Congresso, onde acredita haver “acordos políticos de centro-esquerda” que impedem a redução do Estado.
O ministro segue sonhando em fazer quatro grandes privatizações até o fim do governo: Correios, Eletrobras, Porto de Santos e PPSA (estatal do pré-sal), empresas consideradas “joias da coroa” pelo alto interesse público e valores envolvidos. Porém, segundo o calendário divulgado pelo PPI e aprovado pelo próprio Guedes, entre outros integrantes do governo, somente a privatização dos Correios e da Eletrobras estão previstas para este mandato.
Conforme mostrou a Gazeta do Povo, a venda da PPSA é uma ideia do Ministério da Economia, mas a pasta de Minas e Energia é contra. O processo do Porto de Santos, administrado pela estatal Codesp, está andamento, mas em fase inicial de estudos. Por isso, deve ficar para depois de 2022. O governo até tentou acelerar, mas, por se tratar do maior porto do país, terá de fazer com mais calma a desestatização.
Com isso, as únicas “joias da coroa” com privatizações realmente previstassão os Correios e a Eletrobras, ambas no quarto trimestre de 2021. Ainda assim, o governo depende do aval do Congresso, o que ainda não aconteceu.
O projeto da estatal de energia elétrica foi enviado pelo governo à Câmara dos Deputados em novembro de 2019, mas nunca tramitou. O texto dos Correios espera a assinatura do presidente Jair Bolsonaro para ser encaminhado à Casa.
O Planalto e a Economia acreditam que a privatização dos Correios será mais fácil que a da Eletrobras. Eles dizem contar com o apoio do Centrão, um dos principais grupos políticos do Congresso.
No caso da Eletrobras, a resistência vem das bancadas do Norte e Nordeste. Porém, segundo informou a secretária especial do PPI, Martha Seillier, o governo não vai desistir de privatizar a empresa, no modelo conhecido por capitalização.
Os planos para as privatizações da Eletrobras e dos Correios
A privatização da Eletrobras será feita por meio da emissão de novas ações ordinárias (com direito a voto na assembleia geral) para aumento de capital. A União não poderá comprar nenhuma nova ação. Com a emissão desses novos papéis, a posição dos atuais acionistas da Eletrobras será alterada. A União, que hoje tem cerca de 60% das ações, vai reduzir sua participação para menos de 50%, deixando de ser a acionista controladora.
Caso a primeira emissão de ações não atraia interessados o suficiente para diluir as ações da União a ponto de o governo deixar de ser acionista majoritário, poderá ser feita uma oferta pública secundária, com venda de ações que hoje são de propriedade da União, para atingir o objetivo da privatização.
A quantidade de ações que deverá ser emitida para diluir o capital dos atuais acionistas e, assim, tirar das mãos do governo o controle da Eletrobras não consta do projeto. Isso será definido posteriormente, no edital de emissão das ações, após a aprovação do projeto pelo Congresso.
Mas, apesar de dever ficar com um percentual ainda relevante, tanto a União quanto qualquer acionista (os atuais e os novos) terão o poder de voto limitado a, no máximo, 10% das ações. Os acionistas também não poderão votar em bloco, salvo os minoritários, desde que unidos não ultrapassem o máximo de 10%.
Com isso, a Eletrobras deixará se ser uma estatal federal e vai se transformar numa empresa privada de capital aberto pulverizado – uma “corporation”, no termo em inglês. Ou seja, ela não terá um único “dono” ou acionista controlador.
Para os Correios, o governo vai enviar um projeto de lei que acaba com o monopólio da União no setor postal. O texto vai permitir que agentes privados possam atuar na área, desde que mantida a universalização do serviço. Esse mesmo texto também vai trazer os princípios gerais do setor e determinar que a Anatel faça a fiscalização.
Com isso, o governo estará autorizado a privatizar os Correios. São três modelos em estudo. O primeiro é o em blocos, conhecido popularmente como “filé com osso”, conforme adiantou a Gazeta do Povo. Ele já é adotado nas concessões de aeroportos e de saneamento. Nesse modelo, o país seria dividido em blocos. Esses blocos seriam formados por municípios potencialmente lucrativos e por municípios provavelmente deficitários. Os interessados em prestar os serviços dos Correios em cada uma das regiões participariam do leilão.
O objetivo é manter a universalidade do serviço mesmo após a privatização e não deixar desassistidos municípios que seriam pouco atraentes à iniciativa privada caso fossem concedidos sozinhos. Por isso, cada bloco ou região possui municípios rentáveis, chamados puxadores-de-bloco (o “filé”), e os não rentáveis, (o “osso”).
A segunda alternativa é abrir o capital dos Correios e fazer uma primeira oferta pública de ações (IPO, na sigla em inglês) na Bolsa de Valores. O IPO foi o modelo utilizado na privatização do setor postal alemão. Como os estudos estão em andamento, ainda não se sabe se, em caso de opção por IPO, o governo optaria pela posição de acionista majoritário, minoritário ou se transformaria a estatal em uma corporation, com capital pulverizado.
A terceira opção na mesa para os Correios é a “desverticalização” dos serviços prestados pela empresa e a concessão de cada um deles à iniciativa privada.
As estatais que o governo quer fechar até 2022
Além de planejar 11 privatizações de estatais até 2022, o governo espera liquidar (fechar) duas empresas federais. A primeira é a Ceitec, estatal produtora de semicondutores, que ficou conhecida no passado por fabricar o “chip do boi”. Ela foi fundada no governo Lula.
O presidente Jair Bolsonaro vai publicar nos próximos dias um decreto autorizando o início do processo. O fechamento da empresa já estava previsto desde junho, mas questionamentos do Tribunal de Contas da União (TCU) atrasaram a publicação do decreto. O impasse, segundo Martha Seillier, já foi resolvido.
A previsão é de que o processo de liquidação dure cerca de um ano. Após a publicação do decreto, será contratado um liquidante para executar o plano de fechamento da empresa. Esse liquidante ficará responsável pelo mapeamento e transferência de ativos da empresa, entre outras funções. Políticas públicas que hoje são executadas pela Ceitec permanecerão ativas, por meio de uma organização social a ser criada pelo governo.
Outra estatal que será fechada é a ABGF, a Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garantias. A decisão de liquidação foi tomada no ano passado, mas a pandemia atrasou o processo. A previsão é que o decreto presidencial iniciando a liquidação seja publicado no primeiro trimestre de 2021.
A estatal faz a gestão do Fundo Garantidor de Infraestrutura (FGIE); a prestação de serviços ao Ministério da Economia relativos à operacionalização do Fundo de Garantia à Exportação (FGE); a participação da União como cotista dos Fundos Diluídos; e a gestão do Fundo de Estabilidade do Seguro Rural (FESR). Essas atividades serão incorporadas pelo Executivo.
Neste ano, o governo concluiu a liquidação da Companhia de Armazéns e Silos do Estado de Minas Gerais (Casemg) e da Companhia Docas do Maranhão (Codomar). Porém, ambos os processos já tinha sido iniciados em governos anteriores – portanto, a decisão de fechá-las não coube ao atual governo.
As empresas que o governo quer vender até 2022. E as que continuarão estatais
Confira, abaixo, quais são as 13 estatais serão privatizadas ou fechadas pelo governo até 2022, segundo calendário de privatizações divulgado pelo PPI em 2 de dezembro de 2020:
Ceitec – 4º trimestre de 2020 (início da liquidação/fechamento)
ABGF – 1º trimestre de 2021 (início da liquidação/fechamento)
Emgea – 3º trimestre de 2021 (privatização)
Ceasaminas – 3º trimestre de 2021 (privatização)
Codesa (Porto de Vitória) – 3º trimestre de 2021 (privatização)
Nuclep – 3º trimestre de 2021 (privatização)
Trensurb – 4º trimestre de 2021 (privatização)
CTBU – 4º trimestre de 2021 (privatização)
Correios – 4º trimestre de 2021 (privatização)
Eletrobras – 4º trimestre de 2021 (privatização)
Serpro – 1º trimestre de 2022 (privatização)
Dataprev – 1º trimestre de 2022 (privatização)
Telebras – 1º trimestre de 2022 (privatização)
Confira quais são as 33 estatais de controle direto da União que não serão privatizadas ou fechadas até 2022, também segundo o PPI (algumas estão nos planos para depois de 2022, caso dos portos):
Amazul
Banco da Amazônia
Banco do Brasil
Banco do Nordeste
BNDES
Caixa Econômica Federal
Casa da Moeda
Ceagesp (Companhia de Entrepostos e Armazéns de São Paulo)
CDC (Porto do Ceará)
CDP (Porto do Pará)
CDRJ (Portos do Rio de Janeiro)
Codeba (Porto da Bahia)
Codern (Porto do Rio Grande do Norte)
Codesp (Porto de Santos)
Codevap (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e da Parnaíba)
Conab (Companhia Nacional de Abastecimento)
CPRM (Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais)
EBC
Ebserh (administra hospitais universitários)
Embrapa
Emgepron
EPE (Empresa de Pesquisa Energética)
EPL (Empresa de Pesquisa em Logística) – será unificada com a Valec
Finep
Hemobras
Hospital de Clínicas de Porto Alegre
Hospital Nossa Senhora da Conceição
Imbel (fabricante de materiais bélicos)
INB (indústria nuclear)
Infraero
Petrobras
PPSA (estatal do pré-sal)
Valec (estatal de construção de ferrovias) – será unificada com a EPL
Fonte: Gazeta do Povo

